Representantes do governo estadual e membros de comunidades de religiões de matriz africana defendem em audiência realizada na tarde desta quarta-feira, 8, a sacralização de animais em cultos religiosos, enfatizando que a proibição fere os direitos da liberdade religiosa já conquistados. A atividade ocorre um dia antes da votação no Superior Tribunal Federal do Recurso Extraordinário 494601/06, que impede o abate e o sacrifício de animais em cultos e rituais.
O doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e membro da FLACSO Espanha, Ilzver de Matos Oliveira, convidado palestrante do evento, critica a ação em votação no STF e reforça que não existe crueldade no uso de animais em cerimônias religiosas.
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Doutor Ilzver Oliveira defende na audiência a liberdade do culto religioso.
“A sacralização de animais é historicamente consagrada por diversas religiões e sua autorização já é estabelecida em lei e na Constituição como garantias. Essa ação não só fere o direito à liberdade religiosa como também promove racismo ainda mais forte por meio das instituições jurídicas contra nós negros”, argumenta o Doutor Ilzver Oliveira.
Outra participante da mesa de discussão do evento, Ìyá Sônia Oliveira, representante da Comunidade Ojú Ifá Àsé Egbé Sergipano, chama atenção para o papel das religiões de matriz africana na sociedade. Ìyá Sônia enfatiza que os povos de terreiros e quilombolas dialogam de forma sustentável com a natureza. “Todas as manifestações da nossa religião são simbólicas e dialógicas com a natureza. Nós somos a única religião responsável pela preservação da natureza”, argumenta.
A defesa também foi feita pelo Mestre em Educação, Babalorixá Fernando Kassideran, que em sua fala demonstrou preocupação aos constantes ataques contra as religiões de matriz africana.
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Ìyá Sônia Oliveira em momento da saudação aos Orixás.
“Em vários momentos fomos perseguidos por outros segmentos religiosos que eram e ainda são contra os nossos atabaques [instrumentos musicais], a cor das nossas vestes, que é o branco. No momento é este o tema, pois em algum dia podem inventar qualquer outra coisa para nos impedir de manifestarmos a nossa fé”, explica Babarolixá Fernando, que representa o Movimento Independente de Terreiros de Sergipe (MITS).
O Coordenador de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (COPIER) do Ministério Público do Estado de Sergipe, Promotor de Justiça Luís Fausto Valois, também participou do encontro e se manifestou a favor da prática religiosa. “O Estatuto da Igualdade Racial e outras leis garantidoras da liberdade de liturgia dos cultos respaldam legalmente a sacralização que faz parte dos cultos das religiões de matriz africana”, ressalta. O doutor Luís Fausto lembra que MP-SE realizará nos dias 24 e 27 de agosto palestras sobre Intolerância Religiosa e a Lei 10.639, respectivamente.
Promovido pela deputada estadual Ana Lula, presidente da Comissão Legislativa de Direitos Humanos, a audiência pública reuniu mais de cem membros de comunidades de Terreiros e de Quilombos, políticos e representantes de órgãos públicos.
Entenda o Recurso Extraordinário 494601/STF
O recurso extraordinário 494.601/06 que trata do tema de proibição ao abate e sacrifício de animais em cultos religiosos, está em andamento no Superior Tribunal Federal desde 2006 e será votada nesta quinta-feira, 9, pelo pleno do STF.
Aberta pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, a ação apresentada é contra decisão de 2004 tomada pelo Tribunal de Justiça do mesmo Estado, em que declarou constitucional a norma gaúcha que acrescenta ao Código Estadual de Proteção de Animais a possibilidade de sacrifícios religiosos de animais, destinados à alimentação humana, dentro de cultos religiosos africanos.
Por Fernanda Queiroz – Rede Alese
Fotos: Michaelle Santiago