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Gagueira não é brincadeira, destaca fonoaudióloga

Por Wênia Bandeira

Quem convive com a gagueira está sempre convivendo também com a falta de compreensão da sociedade quanto ao problema. Entre preconceito e brincadeiras, as pessoas enfrentam as dificuldades de não conseguir se expressar como é exigido.

O dia 22 de outubro é o Dia Internacional de Atenção à Gagueira (DIAG). O servidor da Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese), Laertte Tavares de Almeida, contou que já teve problemas até mesmo para encontrar uma vaga de emprego.

Foto: Arquivo Pessoal

“Uma das maiores dificuldades que enfrentei antes de assumir um cargo público era a de demonstrar quem eu era através da fala em seleções de emprego. Vivemos no mundo em que uma boa comunicação é fundamental, e você não conseguir ser fluente acaba dificultando o processo de você ser compreendido por quem te avalia. Já aconteceu de nem ter direito a finalizar uma entrevista de emprego. Ser finalizada no meio mesmo”, falou.

Além disso, ele lembrou que a gagueira é utilizada como piada em muitos lugares. Laertte lembrou que o assunto aparece na mídia apenas quando a cena é cômica nas novelas, teatro e cinema.

“No dia a dia em sociedade, a gente sempre percebe o “ar de riso” e pouco respeito a condição da pessoa com gagueira. São bem pontuais os momentos de seriedade sobre o tema. A pessoa com gagueira às vezes até entra na “brincadeira” como forma de defesa”, acrescentou.

Ele disse que após os 13 anos de idade, não há mais a possibilidade de cura, mas somente de um controle maior sobre a condição. “E nesse período até os 13 anos, tratei-me com fonoaudiólogos que não eram especialistas em gagueira, o que faz total diferença na abordagem do problema”.

A coordenadora do Comitê de Fluência do Departamento de Linguagem da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (SBFa) e diretora educacional assistente do Instituto Brasileiro de Fluência (IBF)., Débora Vasconcelos Correia, explicou que as reações da sociedade diante de uma gagueira se transformam em complicação no tratamento. Elas dificultam a melhoria durante o tratamento e também nas relações interpessoais.

Foto: Arquivo Pessoal

A fonoaudióloga afirmou que a melhor solução para combater o preconceito em relação às pessoas que gaguejam é levar conhecimento cientificamente atualizado para toda a sociedade. Por isso e para isso existe o DIAG, para que a população tenha acesso a esse conhecimento, se conscientize a respeito e, a partir de então, mude a sua postura frente a quem gagueja.

“Gagueira não é emocional, e quem gagueja não gagueja porque quer gaguejar, na verdade, ela ocorre de forma involuntária e assumir uma postura empática e não preconceituosa para com quem gagueja faz toda a diferença. Inclusive, “empatia” é o tema da Campanha de Atenção à Gagueira deste ano. O lema é convidar todas as pessoas para trocar a apatia pela empatia por quem gagueja, ou seja, é um desafio para deixarmos de lado a indiferença e desenvolvermos atitudes altruístas e cooperarmos com dias melhores para todas as pessoas que gaguejam”, declarou.

Ela explicou que quando a intervenção terapêutica é realizada precocemente e da forma adequada, a literatura aponta que para uma criança com dois anos e meio há uma chance de 80% de remissão total da gagueira, e a partir dos seus sete anos de idade essa chance já tende a zero. O que significa dizer que as maiores chances de remissão total da gagueira estão relacionadas diretamente com a intervenção precoce e especializada em Fluência.

“É muito importante para quem gagueja buscar por um profissional especialista em Fluência. E muito importante também é não ache que a gagueira pode ser uma fase do desenvolvimento que é necessário aguardar passar, não espere para agir e buscar ajuda especializada, quanto mais se atrasa essa intervenção precoce mais se aumenta as chances de persistência do distúrbio e dessa criança se tornar um adulto que gagueja. A orientação fonoaudiológica adequada e cientificamente atualizada pode transformar a história desenvolvimental de alguém”, falou Débora.

O tratamento é fonoaudiológico, e a recomendação é para que ele seja centrado na pessoa que gagueja, ou seja, para que ele considere as suas necessidades clínicas, funcionais e campos de interesses de modo singular. Ela disse que o mais importante é que não há uma “receita” a seguir que se aplique com eficácia para todas as pessoas que gaguejam de igual modo, mas há a importância de uma boa e eficiente avaliação fonoaudiológica para que a partir da obtenção dos dados avaliativos se dê início ao processo de construção de um raciocínio clínico integrado e funcional.

“Trabalhamos com estratégias terapêuticas das mais diversas, contudo, as principais são as de modelagem da fluência e de modificação da gagueira. O mais importante é que a terapia fonoaudiológica auxilie quem gagueja a transportar o uso das estratégias indutoras de fluência para as mais diversas situações do seu dia a dia”, acrescentou.

Ela falou que em casa pode ser feito um trabalho a mais para melhorar a condição. A principal recomendação para se fazer em casa é: fale abertamente sobre a sua gagueira, procure conversar com os seus familiares sobre como você se sente enquanto gagueja, o que eles fazem que te ajudam e não te ajudam a se comunicar de forma mais fluente, transforme o assunto gagueira em algo natural e não em um tabu.

“Em casa, para quem gagueja que está em acompanhamento fonoaudiológico, também é um ambiente muito bom e produtivo para exercitar o que se aprendeu em terapia, justamente por ter pessoas que são próximas e podem se tornar parceiras e apoiadoras nesse processo. Para os pais de crianças que gaguejam eu recomendo que promovam momentos agradáveis de brincadeiras com muitas oportunidades de fala e de interação, priorize esses momentos, não supervalorize a gagueira da sua criança chamando a atenção dela o tempo todo, mas também não a ignore, fazendo de conta que ela não existe e que o seu filho não está sentindo dificuldades em se expressar por apresentá-la, busque o equilíbrio”, disse.

Ela falou que ainda não é sabido o que causa a gagueira, mas muito se fala sobre herança genética, ou seja, que as pessoas herdam a condição de seus pais, além de ter indução da convivência com outras pessoas. O problema é iniciado ainda na infância, quando se dá o período do neurodesenvolvimento.

“Atualmente, há muitas teorias causais sobre a gagueira e as mais aceitas têm sido aquelas que atribuem o seu surgimento a uma complexa interação entre múltiplos fatores que envolvem aspectos neurodesenvolvimentais, genéticos e psicossociais”, falou a fonoaudióloga.

Débora Vasconcelos Correia é fonoaudióloga, mestre e doutora em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com trabalho de pesquisa direcionado ao processamento linguístico das pessoas que gaguejam. Especialista em Fluência pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia e em Neurociência Aplicada pela Universidade Federal de Pernambuco e professora do Departamento de Fonoaudiologia da UFPB.

Foto: Freepik

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