A cidade de Propriá viveu, nesta quarta-feira, 20, um importante momento de sua história no campo do avanço da democracia, durante a audiência pública da Comissão Estadual da Verdade “Paulo Barbosa de Araújo”. O objetivo foi registrar as violações aos Direitos Humanos ocorridas na região ribeirinha e em todo baixo São Francisco durante a Ditadura Militar.
Como defensora do direito à memória e à verdade, a deputada estadual Ana Lúcia foi até o município para acompanhar a audiência, que colheu depoimentos de vítimas, testemunhas e familiares que sofreram perseguições e violências de ordem política e pessoal, devido à atuação em defesa dos direitos individuais e sociais. Entre eles, estiveram os religiosos Irmã Francisca, Frei Enoque, os militantes de esquerda José Renato Vieira Brandão (Renatinho) e Carlos.
“Os fatos e depoimentos a serem apresentados serão registrados e farão parte do acervo da Comissão, servindo para subsidiar seu relatório final”, destaca a Secretária Executiva da Comissão da Verdade em Sergipe, Andreia Depieri.
Segundo Depieri, Propriá foi escolhida para receber a audiência porque, em suas pesquisas, a comissão encontrou documentos se referindo ao cerco e ao acompanhamento pelos agentes da ditadura militar na região do Baixo São Francisco. “Pode parecer que a situação e as tensões nessa região fossem decorrentes apenas da luta pela terra, mas na verdade estas questões foram lidas como de segurança nacional. O SNI mapeava a região”, esclareceu.
A coordenadora informou ainda que audiência teve uma dinâmica diferente, pois além de ouvir os depoimentos das pessoas citadas nos documentos, o espaço foi aberto para que outras pessoas também prestassem seu testemunho sobre os momentos de terror vivenciados durante a ditadura.
Conhecer para combater
“A Comissão da Verdade deve ajudar a sociedade a entender e reconhecer eventos passados para que não voltemos a vivenciar períodos totalitários como os da ditadura militar, quando agentes representantes do governo promoveram prisões, extradições, torturas e mortes de intelectuais, artistas, jornalistas e militantes sociais que se opuseram ao regime ou que ‘ousaram’ se organizar”, destacou a deputada estadual Ana Lúcia, que durante anos lutou pela criação da Comissão da Verdade em Sergipe, tendo sido autora de indicação ao Executivo Estadual com esta finalidade.
Irmã Francisca, depoente da comissão, frisou o caráter simbólico e informativo da Comissão da Verdade em Sergipe. “Essa audiência tem um grande valor para o Estado, para Nossa Diocese, e para nossa sociedade no sentido de tentar reconstituir parte da história que, de fato, não pode se apagar”, destacou.
Para a Irmã Francisca, é fundamental que a juventude conheça esta memória a fim de que as novas gerações possam conhecer a verdade sobre este regime. “Este é um momento de oferecer à juventude informações sobre uma parte da história que ficou, até pouco tempo, apagada. Apagada não na memória de certas pessoas que vivenciaram perseguições e torturas, mas nos espaços de formação e educação, inclusive nas escolas”, sugeriu.
“As lembranças da repressão permanecem vivas na memória dos sobreviventes da perseguição e da tortura. O desejo de reparação permanece vivo para os familiares dos militantes políticos, intelectuais e artistas injustiçados e perseguidos pela ditadura e para todos aqueles que acreditam na democracia”, complementou Ana Lúcia.
“Legalidade autoritária” marcou a ditadura no Baixo São Francisco
Um aspecto apontado pela Secretária Executiva da Comissão da Verdade é que no período da ditadura, havia uma “legalidade autoritária” funcionando na região. “Às vezes, o próprio judiciário garantia a utilização da força, outras vezes havia uma conivência com a ação violenta, como tortura e espancamento. Era uma dinâmica diferente daquela em que os próprios agentes do exercito ou do DOPS perseguiam. Aqui, houve um controle por parte do governo, que é apoiado e reforçado pela sociedade civil, instituições e uma cadeia de omissões que permitiu que estas violações passassem a ser sequenciais na região”, elucidou.
A região do Baixo São Francisco foi local de resistência à ditadura militar por meio das Comunidades Eclesiais de Base. Tendo como principal referência a Teologia da Libertação, estes núcleos fortemente ligados à igreja católica envolviam religiosos, leigos, camponeses, indígenas, sem-terra, pescadores e militantes sociais em defesa da justiça social, da democracia e da libertação do povo pobre e oprimido. Nesta região, diversas lideranças tiveram papel fundamental na organização social, a exemplo de Dom José Brandão de Castro, Dom José Vicente Távora e tantos outros.
Da Assessoria Parlamentar