Aconteceu na tarde desta terça-feira (3) no auditório da Escola do Legislativo de Sergipe (Elese), uma roda de conversa sobre o tema: Infâncias e Adolescências Trans. O evento realizado pela deputada Linda Brasil (PSOL), reuniu mães, pais e familiares; psicólogos, psiquiatras, conselheiros tutelares, estudantes, representantes do Ministério Público Estadual, entre outros. O objetivo foi conscientizar a sociedade para a importância de se mobilizar e garantir os direitos de crianças e adolescentes trans.
A parlamentar lembrou que no Brasil, a realidade de crianças e adolescentes trans é marcada por violência e exclusão. Segundo ela, nos últimos três anos, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), registrou o número de 13 crianças trans assassinadas. “Isso por conta de uma sociedade que impõe rígidas expectativas de gênero, fazendo com que elas sejam frequentemente rejeitadas por suas famílias e sofram bullying em todos os espaços, principalmente na escola”, observa.
Com a palestra intitulada Rompendo a Bolha: Letramento LGBTQIAPN+, Linda Brasil destacou que existe uma tentativa de invisibilizar ou mesmo tentar dizer que não existem crianças e adolescentes trans.
“E se eu sou trans hoje é porque eu existi. Não tive o direito de ser acolhida e respeitada como pessoa trans; então esse debate é de suma importância para a gente poder trazer questões para que as famílias e a população tenha informações corretas sobre o que ser uma criança e um adolescente trans; e não esse discurso que tentam colocar para a sociedade que a gente quer impor uma identidade ou sexualidade para as pessoas. O que lutamos é que todas as crianças e adolescentes sejam respeitadas na sua singularidade, na sua individualidade. Convidamos profissionais que estudam o caso e familiares para que a gente possam dar visibilidade e buscar a garantia de saúde e de direitos para toda essa população que infelizmente sofre e faz com que as pessoas trans na fase da adolescência tenham um percentual três vezes a mais de cometer suicídio por sofrer violências e por falta de acolhimento e de entendimento e dessa condição. Por isso a importância do apoio familiar. Eu fui muito acolhida por minha mãe desde criança e hoje o que sou, devo à compreensão e ao amor dela”, enfatiza.
A coordenadora da roda de conversa, Ariel Matos, disse que o evento serviu para que as pessoas possam pensar que crianças e adolescentes têm o direito de pensar e de existir; tenham direito de liberdade e de se expressar.
“Porém, quando se trata de uma criança que foge desses padrões normalmente concebidos pela sociedade, ela vai sofrer diversas violências por estar fugindo desse padrão: de menino usar azul e menina usar rosa. Quando a gente vai pensar em infâncias múltiplas, adolescências múltiplas; com diversidade, com inclusão e com cidadania, a gente vê que essas crianças sofrem violências dentro de diversos espaços; seja família, seja no espaço escolar, seja no espaço doméstico ou da unidade básica de saúde; quando essa criança não se comporta da forma que a sociedade impõe que ela devia se comportar. Tanto que o relatório da ANTRA anunciou que nos últimos três anos, mais de 10 crianças trans morreram vítima de violência a nível nacional e a gente ainda não tem uma estratificação mais aprofundada porque esses dados são só de crianças. Se a formos fazer um levantamento de adolescentes, esses dados vão aumentar, visto que a maioria das mulheres trans e travestis são expulsas de casa aos 13 anos, por simplesmente existirem da forma que se sentem confortáveis”, lamenta.
Reconhecimento da identidade
A psicóloga Sofia Favero e a psiquiatra e gerente de ensino e pesquisa do Hospital Universitário de Lagarto (HUL), Evelyn Machado, destacaram a questão da saúde para crianças e adolescentes trans.
“Todas as palavras, todas as lógicas, tudo aquilo que a gente usa para pensar o que é uma criança trans, precisa passar por um certo cuidado, porque muitas vezes algumas pessoas entendem uma coisa e outras pessoas entendem outra coisa; vão entender como crianças traumatizadas, que não tiveram algum tipo de privilégio; que foram ‘cozidas’ no útero da mãe, ou crianças que querem se vingar dos pais, ou que passam por algum transtorno. Enfim, existem várias especulações. O que quero passar aqui é que cuidem dessas crianças, pois o que depende para que uma criança e um adolescente cresça é o cuidado”, afirma Sofia Favero ao destacar que toda transição é vivida coletivamente e observando que muitas famílias tem medo da aprovação social, mas não é feio ser criança trans.
Evelyn Machado ressaltou o reconhecimento da identidade de gênero e a importância de não permitir do sofrimento e não esperar que as crianças e adolescentes vivenciem o trauma. “É preciso entender que as crianças trans não se suicidam porque são trans, mas porque o resto da sociedade não as trata como pessoas. Para se ter uma ideia, o Ambulatório de Transexualidade de Lagarto foi inaugurado em 2016, mas foi a partir da pandemia que as crianças começaram a aparecer com mais frequência e é preciso que a sociedade entende que não podemos ser refratários contra as mudanças e que a gente só caminha quando sai da zona de conforto. Lagarto é pioneiro no acolhimento às crianças, aos adolescentes e às famílias, na distribuição de hormônios à população, nas rodas de conversas e atendimento profissional a exemplo de endocrinologistas e fonoaudiólogos. O ambulatório continua inovando e já temos teleatendimento para as famílias que têm dificuldade de locomoção”, destaca informando que atualmente 11 crianças estão sendo atendidas.
Dignidade e acolhimento
A Promotora de Justiça do Ministério Público Estadual (MPSE), Talita Canegundes Fernandes da Silva, falou sobre o tema: Direito às Infâncias e Adolescência Trans.
“Um dos principais fundamentos da Constituição Brasileira é a dignidade da pessoas humana, promovendo o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, ou seja, a nossa Constituição já traz as regas como dignidade da pessoa humana e nenhum tipo de discriminação. E por que nós continuamos ainda a não compreender que dentro do aspecto de cada pessoa humana está inserida uma série de outros direitos que já são essência do nosso desenvolvimento como cidadã e cidadão? Porque culturalmente a gente não assimilou o suficiente. É preciso que a sociedade entenda que precisamos fazer uma escuta diária e exercitar aquilo que já está posto nas nossas regras sociais”, ressalta alertando para a neceissidade de perceber a nova era, os novos milênios e as novas formas de pensar.
A palestrante Terezinha Paschoal, membra da Associação Mãe pela Diversidade falou sobre vivências próximas, destacando a necessidade de promover a inclusão e o respeito à diversidade de gênero; criando um ambiente seguro e acolhedor para que crianças e adolescentes trans possam se desenvolver de forma feliz.
Entre os participantes do evento, a coordenadora da Associação Mãe pela Diversidade, Alessandra Tavares afirmou que tem uma filha lésbica e que a roda de conversa foi de muita importância.
“É preciso que legisladores e a sociedade de um modo geral participe mais desses encontros para tentarmos mudar os números altos de mortes de pessoas trans no Brasil. Hoje temos inscritas na associação, 76 pessoas entre pais e mães. É fato que temos mais mães, mas temos valorosos pais que lutam diariamente pelo respeito e dignidade às crianças e adolescentes trans”, diz.
Fotos: Joel Luiz/Alese