Por Aldaci de Souza
Um relatório publicado em maio de 2021 pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), mostra que a falta de acesso aos serviços de saneamento e recursos para a aquisição de produtos de higiene pessoal afetam meninas entre 12 e 17 anos. Na Assembleia Legislativa de Sergipe, foram apresentadas algumas proposituras voltadas para a chamada Pobreza Menstrual, destacando os problemas relacionados à menstruação, vivenciados por meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade social.
A estudante do Ensino Médio do Centro de Excelência Atheneu Sergipense, Lenice Ramos de Oliveira criou o projeto de lei “Programa Absorvente é Direito”, que foi apresentado e pré-selecionado na etapa estadual do Parlamento Jovem Brasileiro, na Câmara dos Deputados. O PL foi adaptado para as escolas da rede estadual em Sergipe.
De acordo com o Projeto de Lei da deputada Goretti Reis (PSD) – Procuradora da Mulher na Alese – fica instituído o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos (PFAH) nas escolas públicas de nível fundamental e médio, para mulheres em situação de rua que vivem em abrigos, além da população carcerária feminina do Estado de Sergipe.
“Um estudo da Unicef mostra a falta de saneamento básico e condições financeiras contribuindo para o aumento da pobreza menstrual, causando prejuízos quanto ao processo de ensino/aprendizagem. Os dados destacam a falta de rede de esgoto, de água canalizada, de banheiros e até mesmo pias e papel higiênico em escolas da rede pública no país, importante no processo da higiene das meninas no período menstrual. Também temos a questão da falta de informações e condições financeiras nas famílias de baixa renda. Muitas meninas não têm acesso à higiene adequada e aos absorventes; utilizam retalhos de pano e até mesmo miolo de pão no período menstrual”, observa.
O PL da deputada Goretti Reis objetiva proporcionar uma estrutura para que o Poder Executivo materialize e operacionalize o Programa de Fornecimento de Absorventes Higiênicos de forma a reestruturar a assistência às mulheres de baixa renda. “É preciso entender que a falta do absorvente e de materiais de higiene, causa doenças,agravando o desconforto do período menstrual”, acrescenta.
O deputado Talysson de Valmir (PL) também apresentou um Projeto de Lei na Alese visando a criação, pelo Governo de Sergipe, de um programa de fornecimento de absorventes higiênicos nas escolas públicas estaduais do Estado.
“Estamos falando de jovens em famílias sem recursos financeiros, onde a prioridade é a alimentação. Além do prejuízo educacional, ficam expostas a riscos a saúde, pela situação inadequada de higiene nesse período. É essencialmente necessária a criação de um programa que assegure o fornecimento de absorventes higiênicos para as estudantes da rede pública estadual”, esclarece Talysson de Valmir enfatizando que pelo PL, o governo fica autorizado a firmar convênios com os municípios e a União, bem como com organismos financiadores de políticas públicas para assegurar a execução do programa.
Absorvente é Direito
O Projeto de Lei Programa Absorvente é Direito, desenvolvido pela estudante Lenice Ramos de Oliveira com apoio do professor Yuri Noberto, foi apresentado e pré-selecionado na etapa estadual do Parlamento Jovem Brasileiro, em 2020, alcançando o 2º lugar na etapa nacional do programa.
Lenice Ramos apresenta dados do Brasil sobre a falta de acesso ao saneamento básico enfrentado por 4 milhões de meninas que sofrem com pelo menos uma privação de higiene nas escolas, incluindo a falta de acesso a absorvente e banheiros com sabonetes, ou seja, a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas.
“Eu fiquei em segundo lugar, o que me deixou um pouco triste, mas ainda assim houve um reconhecimento, e aí o meu professor teve essa ideia de colocarmos o projeto para a frente apenas no nosso estado, no qual poderíamos alcançar algum apoio. Reformulei o projeto e conversei com o secretário da Educação Josué Modesto para que este ano a distribuição dos absorventes acontecesse nas escolas estaduais”, conta em entrevista divulgada pelo site oficial do Governo de Sergipe.
O projeto foi modificado e direcionado para o estado objetivando atender às estudantes de escolas públicas. No documento, a aluna do Atheneu Sergipense sugere ao Governo de Sergipe, por meio da Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura (Seduc), a garantia da distribuição de absorvente menstrual para as meninas e mulheres matriculadas em toda a rede pública estadual de ensino.
Pobreza Menstrual
A pobreza menstrual é o termo usado quanto à falta de acesso a produtos para manter uma boa higiene no período da menstruação; está relacionada à pobreza e a infraestrutura do ambiente, especialmente de saneamento. Em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu que o direito das mulheres à higiene menstrual é uma questão de saúde pública.
Uma das preocupações de parlamentares, educadores e profissionais de saúde é que a pobreza menstrual traz consequências negativas em diversos setores da vida, podendo impactar a saúde quando pessoas que menstruam recorrem a materiais anti-higiênicos que aumentam o risco de infecções urinárias, além de causar constrangimento, estresse e prejuízos à vida escolar quando as meninas deixam de ir à escola por estarem menstruadas.
Foto: Divulgação CNN Brasil
Pobreza menstrual
O estudo do Unicef explica que o termo pobreza menstrual é um conceito que reúne em duas palavras um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional, vivenciado por meninas e mulheres devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da própria menstruação. É recorrente o total desconhecimento do assunto ou, quando existe algum conhecimento, há a percepção de que este é um problema distante da realidade brasileira.
“Além disso, não falar sobre a menstruação já é um jeito de falar sobre ela. A omissão demonstra preconceitos perpetuados no dia a dia. Não nomear a menstruação usando no lugar eufemismos como “estar naqueles dias”, “estar de chico”, “regras” significa tornar invisível um fenômeno fisiológico e recorrente, além de alimentar mitos e tabus extremamente danosos às mulheres, meninas e pessoas que menstruam de maneira geral”, relata o estudo do Unicef.
“Como mulher, enfermeira, parlamentar e procuradora da Mulher tenho visto com preocupação esse problema que atinge milhares de meninas adolescentes e mulheres. A menstruação é uma situação natural e precisa ser levada a sério pelo poder público. As políticas de saúde da mulher são necessárias para beneficiar essas pessoas”, disse Goretti Reis. “A falta do absorvente e de materiais de higiene é responsável, também, por doenças. Digo também, porque não podemos esquecer o desconforto desse período e os muitos sintomas que carregam, sem as mínimas condições de higiene, o que agrava ainda mais a situação”, completa a deputada.
Ela informa ainda que solicitou à equipe da Procuradoria da Mulher um levantamento para detectar a real situação dessas mulheres em Sergipe. “Levantamento de projetos existentes no Estado, partindo de coletivos ou organizações, e se existem iniciativas ou serviços públicos funcionando, que considerem a importância de se distribuir gratuitamente absorventes higiênicos ou coletores menstruais. Com esses dados, estudaremos formas para amenizar este problema de saúde pública, seja através de lei, indicações, campanhas ou parcerias que dêem dignidade a elas”, afirmou.
Além de Goretti, a deputada Kitty Lima (Cidadania), vice-presidente da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Mulher na Alese, também protocolou um projeto de lei com esse viés, de disposição de absorventes em escolas públicas, no entanto, segundo a assessoria de comunicação da parlamentar, o PL foi “engavetado e nem sequer foi inserido à pauta de votação da Alese, por falta de interesse do líder do governo em colocar o texto em discussão”.
Segundo Kitty, esse tipo de situação, que está associada à desigualdade social, reflete a evasão escolar. “Absorventes e produtos de higiene pessoais são caros e fora do alcance financeiro de várias famílias de baixa renda, principalmente. Sabemos que nem todas têm acesso a eles, e por conta dessa pandemia, muitas famílias sofreram uma redução drástica em suas fontes de renda, impactando diretamente no sustento de suas famílias e, consequentemente, na aquisição de produtos básicos para a higiene íntima. Por isso protocolei na Alese esse projeto de lei para beneficiar essas jovens mulheres a fim de garantir uma higiene íntima adequada e segura, evitando ainda que muitas deixem de frequentar as aulas durante o período menstrual pela falta deste produto”, pontua Kitty.