“Não existe sistema político perfeito, existem alguns mais imperfeitos que outros e o nosso é um dos mais imperfeitos, ele é anacrônico. O nosso sistema político, ele se lastreia nos alicerces do sistema da Ditadura Militar, ele não foi modificado pela Constituição de 1988 nos principais pontos estruturais”. A afirmação foi feita pelo ex-ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, quando do encerramento do Fórum Sergipano de Direito Eleitoral, realizado pela Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese).
De acordo com o ex-ministro, a Constituição de 1988 é uma das mais democráticas, porém na parte do sistema político foi conservadora e manteve os alicerces da Constituição de 1967 e da Emenda Constitucional nº 1 de 1969.
“E isso aconteceu porque não tivemos uma Assembleia Nacional Constituinte, tivemos um Congresso Nacional que não modificou as regras centrais do sistema político que havia investido aqueles deputados e senadores no exercício de seus mandatos e o resultado é um sistema anacrônico, gerador de corrupção que traz ingovernabilidade e uma dificuldade perversa para qualquer Governo governar e problemas que nos atingem nos dias atuais”, ressalta.
José Eduardo Martins Cardozo destacou que embora seja favorável à Lei da Ficha Limpa, não tinha uma avaliação de que essa lei corrigiria o sistema político brasileiro como muitos apregoavam. “Não tinha uma avaliação de que seria um marco antes e depois da Lei da Ficha Limpa para efeitos de moralização do nosso sistema político, seria uma ingenuidade profunda”, entende acrescentando que acreditava que a Lei da Ficha Limpa podia avançar.
“De fato sobre certos aspectos avançou. Quando era vigente o texto original da Lei complementar 64 de 1990, as pessoas eram condenadas e pura e simplesmente nada acontecia porque a demora processual era imensa e se desacreditava no sistema que própria constituição preconizava. A Lei da Ficha Limpa teve perspectivas positivas durante esses oito anos, no entanto nos trouxe alguns efeitos colaterais que preocupam, pois tem vários problemas técnicos: é obscura em certas passagens, é recriminável em muitas coisas que o Congresso poderia corrigir se não houvesse o clima de emparedamento e de passionalismo na sua aprovação, algo que foi chamado de Ativismo Judicial que me preocupa profundamente”, diz.
O ex-ministro destacou que pode discutir os problemas sob dois aspectos: o da constitucionalidade (que ainda hoje há controvérsias) e o pelo aspecto da sua aplicação.
“Sou um defensor intransigente do artigo quinto 57 da Constituição Federal, ou seja, da presunção da inocência. Não concordo com a decisão recente do Supremo Tribunal Federal tomada pela maioria de votos, que entendeu que é possível a execução de sentença criminal sem o trânsito julgado. Não concordo porque parte de uma lição clássica de hermenêutica, em que no claro, cessa a interpretação. Não pode o Poder Judiciário interpretar na clareza, suprimir garantias dadas ao cidadão, seja porque pretexto for”, afirma.
Limitação do poder
Segundo o ex-ministro da Justiça, a própria teoria da separação de poderes quando construída por Montesquieu diz que todo homem que tem o poder tende a abusar, por isso é necessário limitar o poder. “Até a virtude precisa de limites e tinha razão Montesquieu: os que se julgam muitos virtuosos ou donos de uma virtude suprema, são normalmente os mais arbitrários e os que mais abusam. Aqueles que são tomados por um messianismo inconstratável são os que cometem os maiores pisoteamentos nas garantias e nos direitos dos cidadãos, por isso é necessário limitar as virtudes e o Estado de Direito limita o Poder e as virtudes. Abdicar é instituir o arbítrio, o abuso”, entende.
Ativismo Judiciário
Para ele, a situação em que se chama Ativismo Judiciário é preocupante, pois as normas jurídicas funcionam como uma gaiola de significados em que se podem escolher os passarinhos que estão lá dentro.
“Posso ser mais progressista, mais retrógrado, o que eu não posso é abrir a porta da gaiola. Lamentavelmente no mundo e no Brasil, alguns magistrados têm aberto a porta da gaiola chamada Estado de Direito. Quando isso acontece, não se sabe quais os passarinhos vão fugir: podem ser os passarinhos progressistas e humanistas, podem ser os passarinhos fascistas e autoritários, podem ser os passarinhos da justiça dos homens ou da vaidade exacerbada. Podem ser do cinismo ou do populismo. Portanto, Estado de Direito é gaiola e a porta tem que ficar fechada dentro dos múltiplos sentidos que a ordem jurídica defere, transgredi-lo é ofender o Estado de Direito e a situação fica mais grave quando isso acontece pelo Poder Judiciário”, enfatiza lembrando que os magistrados tem que ter prudência, pois se tem visto condenações com reflexo da Ficha Limpa em que se condena por convicções e não por provas.
Por Rede Alese