Foi realizada na tarde desta terça-feira (11), no plenário da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe (Alese), uma Audiência no Pública com o tema “Educação das Relações Étnicos-Raciais: 20 Anos de Que?”. A autoria é do deputado Chico do Correio (PT), integrante da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, presidida pelo deputado Garibalde Mendonça (PDT).
O evento contou com palestras da professora Arlete Silva Costa, representando o Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Sergipe (Sintese), sobre “Prática Pedagógica Antirracista: Possibiliodades e Desafios”; da professora-doutora Edineia Tavares Lopes (NEABI/UFS), sobre “Currículo em des/encantos: a temática Indígena na formação e ação docente em Sergipe”; da professora Morgana Catherine Leite Santos (Auto-organização de Mulheres Negras Rejane Maria), sobre “PNE e ERER: o Plano Nacional de Educação e os silêncios do currículo”, do professor-mestre Robson Anselmo Santos (Instituto Braços), sobre “A Lei nº 10.639/2003 no chão da escola: (in)visibilidades”, do professor-mestre Obanshe Severo D’acelino e Porto, representando o Sindicato dos Professores do Município de Aracaju (Sindipema), sobre “No currículo, a invisibilização das práticas culturais quilombolas”.
O professor-doutor Evanilson Tavares de França, representando o Projeto Alma Africana: reconhecendo as diferenças, esperançando a equidade, atuou como mediador destacando o tema: “Racismo e currículo: o que (des)vela a prática pedagógica”.
De acordo com o deputado Chico do Correio, o Poder Legislativo tem sido o elo para debater a contribuição dos negros para o desenvolvimento do Brasil. “Mas claro, que o povo negro teve todo um sofrimento desde os primeiros dias que chegaram aqui, ainda como escravos e nem tudo ainda foi resolvido. Portanto, esse espaço da Assembleia Legislativa de Sergipe é muito importante para que a gente possa tirar da cabeça das pessoas que por ventura, ainda tenham na mente, algum tipo de diferença entre negros, brancos, europeus. Estou muito feliz em promover essa audiência pública, presidida hoje pelo deputado Garibalde Mendonça e contando com a participação da deputada Linda Brasil. Esse debate com profissionais capacitados é um avanço para que a gente possa discutir a questão do racismo, que infelizmente ainda existe na nossa sociedade”, destaca.
O deputado Garibalde Mendonça mencionou a Lei nº 9412/2024, aprovada por unanimidade na Alese e sancionada pelo Governo do estado, que trata do Estatuto da Igualdade Racial do Estado de Sergipe e e de Combate à Intolerância Religiosa. “É uma lei da nossa autoria e já começamos a construir alguns exemplares para distribuir com todas as entidades; como uma contribuição cultural, econômica e política do estado para a população negra e povos de matriz africana e seus descendentes, para que crianças, jovens e adultos de todas as etnias possam se orgulhar da sua história”, destaca.
A deputada Linda Brasil (PSOL) disse que o machismo estrutural tem a ver com a questão de todas as disciplinas porque as relações interpessoais se dão em todos os ambientes de trabalho. “Pensar essa educação de uma forma mais ampla e não apenas em salas de aula, mas nas instituições e empresas; e uma audiência como essa como essa além das falas importantes, mostra que a gente só vai viver numa democracia quando a metade seja formada por pessoas que tenham uma consciência crítica”, entende.
Morgana Leite, professora da rede estadual e integrante da Auto-organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria agradeceu pelo momento considerado histórico por não terem uma convivência com os espaços de poder e destacou a necessidade da identificação como negras e negros.
“Sou professora de Sociologia da educação básica e quando entrei na rede pública de educação, vi a necessidade de me apresentar como uma mulher que tem uma necessidade de me apresentar, o que me trouxe um estranhamento. Na educação é um choque de realidade porque todos os dias a gente lida com diversas realidades, com turmas abarrotadas, histórias de vida com diversas questões e uma das que mais a gente identifica no dia a dia, é a questão racial que é o que a gente está pautando aqui hoje com relação ao Plano Nacional de Educação (PNE), principalmente quanto às Relações Étnicos Raciais. A gente encontra vários vazios. A PNE é uma lei que traz um plano pra durar dez anos; traz em dez diretrizes, 20 metas e 234 estratégias e como um documento desse tão importante não aparece no edital do concurso público?”, argumenta dizendo para executar uma política pública em cima dessa lei, é preciso estar ciente de que existe.
Ela lamentou que muitos dos alunos não queiram se identificar como pretos. “Muitos deles não querem nem ouvir falar quando a gente traz dados estatísticos sobre o sofrimento da negritude. Por que a educação nos sensibiliza tanto e pega em pontos que são nervo da nossa cultura, de questões familiares; as escolas têm um papel essencial, mas isso pesa muito quando vê que só uns e outros se sensibilizam com a questão. uma coisa é buscar estar na escola, outra coisa é se manter no espaço trazendo conteúdos com a realidade, com o dia a dia dos alunos. Racismo é crime e maior ainda é ostilizar crianças que tem o racismo no dia a dia e nem percebem e vão crescer reprimidas. Quando a gente fala de um Plano Nacional de Educação, precisa saber que existem metas que precisam traçadas pelos Planos Municipal, Estadual e Federal, precisa saber que existem leis que precisam ser atendidas por esses entes, principalmente quanto à busca de eliminar as discriminações de todos os tipos”, entende lembrando que a educação é algo que revoluciona se for realmente participativa.
A professora Arlete Silva Costa destacou a importância da lei da cotas.
“A gente não pode nunca deixar que ninguém fale que a lei de cotas é esmola; é uma reparação histórica porque os negros tiveram retirado o direito de estar na escola. O Brasil é comprovadamente em sua maioria de população negra, só que teve a ideia de branquear, graças a Deus isso não aconteceu, mas somos a maioria de pessoas analfabetas. Os negros são que menos frequentam as escolas e os que saem mais cedo da escola e a gente precisa refletir. Nós que somos negros, quando escutamos que somos todos iguais, dói na alma, pois não somos. É preciso ver as diferenças sempre, pensando como podemos incluir pessoas negras em tudo o que vemos. Para termos uma educação anti-racista precisamos antes de mais nada, de letramento racial, um desafio a se enfrentar. Não basta dizer que não é racista, tem que provar com as atitudes em sala de aula e se policiar a não falar expressões como negra maluca, preto de alma branca, a coisa tá preta, chuta que é macumba, criado mudo, criolo, dia de branco, humor negro, inveja branca, mulata tipo exportação, overlha negra, serviço de preto, entre outras. O mínimo de letramento racial a gente percebe que não é de bom tom”, observa.
O professor Anselmo Robson Anselmo Santos disse que após 20 anos da Lei Federal nº 10.639/2003, determinando que nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, ainda se vivencia uma educação com preconceito. “Judô, Karatê e Taekwondo no chão da escola é esporte: Capoeira é folclore, é coisa pouca. Essa é ainda a condição que depois de 20 anos da lei, a gente ainda vivencia nas nossas práticas escolares”, lamenta.
O presidente do Sindipema, professor Obanshe Severo D’acelino, citou o exmplo do Carnaval de Salvador para falar da educação racial. “No Carnaval de Salvador, tudo é herança dos negros e negras, mas se observarmos, quem tem destaque nacional e internacional são pessoas brancas. Com a redes sociais, temos a oportunidade de ver cada vez mais personalidades negras denunciando a falta de oportunidades. Aqui também acontece isso, pois tratam de embranquecer, de clarear tudo e tiram até a autoria. Em se tratando de religiões, podemos observar em diversas, a influência e muitas práticas derivaram para as religiões de matriz africana, mas é difícil admitir isso”, lamenta.
A professora Edineia Tavares Lopes disse que, quando se falou sobre ementas ganéricas e extensas em componentes curriculares na Universidade Federal de Sergipe. “Trago o exemplo do componente ofertado no curso de Licenciatura em Física no Campus da UFS em São Cristóvão. “Um componente curricular que tem uma ementa trata de tudo e lá perdido no meio, tá lá jogado diversidades étnico-racial então é considerado que está atendendo a legislação”, informa ressaltando que muitas categorias não tratam a educação étnico-racial.
O professor Evanilson Tavares observou que a escravidão do povo negro ainda não acabou.
“Nós somos maioria, as mulheres são maioria, a comunidade LGBT é maioria, entretanto nós negros não ocupamos os espaços de poder. Nós somos matáveis. Nos Estados Unidos um negro é assassinado à cada dois dias, mas no Brasil estamos com a medalha de ouro por matar À cada 23 minutos e essa matabilidade não é impensada, não é acidental, ela é intencional, é planejada desde o Século Dezesseis”, enfatiza.
Entre os participantes, professores, representantes de movimentos sociais, da professora e ex-deputada Ana Lúcia Vieira (PT) e do líder do movimento negro em Sergipe, Severo D’Acelino.
Fotos: Jadilson Simões/Alese