Por Aldaci de Souza – Rede Alese
Ao participar do debate realizado pelo deputado Iran Barbosa (PT), sobre o Atlas da Violência 2019, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em julho deste ano, a representante da Coordenadoria da Mulher no Estado, a advogada Valdilene Oliveira Martins lembrou que a violência de gênero sempre existiu. A audiência Pública acontece no plenário da Assembleia Legislativa de Sergipe, na manhã desta sexta-feira, 27.
“É uma questão cultural que é ensinada no seio familiar, a começar pela forma sexista da criação de crianças completamente diferente, de meninas e meninos. E aí a escola perpetua, a sociedade e todas as instituições perpetuam essa diferenciação do que é ser menina e o que é ser menino e sempre com um marco na inferiorização da mulher; uma suposta supremacia masculina”, lamenta.
Val como é conhecida, afirmou que, quando se tem acesso ao mapa da violência, se vê o reflexo de toda a criação, de toda a estrutura, do recorte de raça. “Isso porque a mulher negra é a que tem tudo mais agravado; todas as violências são praticadas contra ela e a gente percebe que a violência doméstica é uma coisa que todo mundo devia se indignar só de falar porque a vítima, ela é refém do amor que ela tem do amor pelo algoz. É diferente de você ser agredido por uma pessoa que você não conhece, não tem o afeto e o amor”, alerta.
Julgada
Na oportunidade ela enfatizou que a mulher é muito julgada na questão da violência doméstica. “Quando ela não denuncia, as pessoas dizem: ela gosta de apanhar, ela não presta; e quando ela denuncia, destruiu a família: não esperou o homem melhorar, de resgatar e transformar o homem, como se a mulher fosse uma máquina industrial de resgate ou grupo de terapia. Essa questão refletida no mapa da violência sempre existiu, que ninguém nunca se preocupou de catalogar, pois muitos anos foi tratada como problema que não interessava ao estado”, entende.
Val acrescentou que atualmente está se fazendo o link de que a criança que sofre qualquer tipo de abuso em casa, quer seja físico, psicológico ou sexual, quando ela vai para a sociedade, leva bullying para a escola, leva infração para a sociedade.
“Então é uma coisa que tem link e a gente tem que observar. Políticas públicas e enfrentamento de combate à violência contra a mulher são para tornar a sociedade o lugar melhor para se viver. Não é despesa, é investimento”, acredita.
Cobertura midiática
A advogada enfatizou que a mídia é um ponto crucial nesse processo de mudança no processo de mudança. “A mídia (sem generalizar), ainda é misógina nos termos que se fala: ‘mulher bêbada foi encontrada estuprada’; aí já justifica que ela estava bêbada, como se ela não pudesse ter ficado bêbada; ‘inconformado com o fim do relacionamento, deu 14 facadas’, então é como se ele amasse demais. É crime passional. ‘mãe abandona filho na casa do pai’. Como assim? É a casa do pai”. Exemplifica.
“Nós sempre procuramos a culpa para a mulher, independente da idade que ela tenha; e a desculpa para o homem, independente da idade que ele tenha porque se tem a ilusão de que a mulher amadurece mais rápido do que o homem, mas porque ela é sobrecarregada mais rápido. A menina é colocada cedo para fazer as coisas em casa, cuidar dos irmãos e o menino muitas vezes se cria sem nenhuma obrigação na vida”, ressalta.
Debate
Sobre a importância do debate na Alese, Valdilene disse que esse assunto não se exaure. “Qualquer informação que a gente levar, está salvando vidas. Temos que falar todo dia e toda hora e mesmo assim as mulheres ainda acham que isso não acontece com elas; que o homem ameaçou mas não vai matar, é porque estava de cabeça quente; que ela é uma pessoa difícil, que provocou quando o companheiro chegou de cabeça quente porque o carro quebrou, o chefe brigou. Então há sempre a flexibilização das ações criminosas do homem, enquanto a mulher é vista como a culpada: você fez eu brigar, fez eu lhe bater, você me provocou e as mulheres internalizam como se fosse verdade”, finaliza.
Foto: Jadilson Simões