A audiência pública promovida pela Frente Parlamentar em Defesa da Mulher da Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese), realizada na manhã desta sexta-feira, 17 no plenário da Alese, conscientizou a mídia sergipana quanto à questão da misoginia. Na ocasião, as deputadas Goretti Reis (PMDB) e Maria Mendonça (PP), afirmaram que os profissionais de Comunicação que não participaram, perderam a oportunidade de discutir a importância de se ter um novo olhar quando da divulgação de notícias e publicidades quando o foco é a mulher.
“Nós convidamos os órgãos de imprensa, divulgamos matérias na TV Alese, na Agência de Notícias da Assembleia e em outros veículos, mas infelizmente o número de participantes da imprensa foi reduzido”, lamenta.
A parlamentar lembrou que diversos exemplos foram colocados na audiência de forma sútil, quanto à divulgação tanto por parte de jornalistas e radialistas, quanto de publicitários, que de certa forma acabam vulgarizando e citando a mulher de forma pejorativa.
“Muitas vezes uma chamada, uma manchete, uma propaganda nos meios de Comunicação, coloca a mulher como causadora e não como vítima. Essa forma de divulgação das informações é que faz com que a mulher seja tida como subserviente, causadora, que provocou estupro porque estava de roupa curta. Esperamos que jornalistas, radialistas e publicitários tenham um novo olhar para não continuar instigando a sociedade a ser mais machista do que a gente já tem”, destaca.
A deputada Maria Mendonça (PP), lamentou que os sindicatos que representam as categorias não tenham participado do evento. “Eu quero fazer um protesto. Ninguém do Sindicato dos Jornalistas, do Sindicato dos Radialistas ou do Sindicato dos Publicitários apareceu e nem mandou qualquer representante. Foi extremamente deselegante”, entende.
O jornalista Saulo Coelho, supervisor de Comunicação da Embrapa/SE, também esperava um número maior de comunicadores. “Um contingente de comunicadores num evento como esse devia ser muito maior. Claro que a gente entende que dia de sexta-feira é de fechamento de edições grandes, mas eu senti falta de gente do rádio, que tem um impacto na formação de opinião muito grande e onde a gente percebe o senso comum imperando na construção de sentidos e significados e os valores são reproduzidos. Precisa haver um compromisso maior de quem está com um microfone na mão, uma caneta, um espaço de internet. Precisam assumir como protagonistas da luta em si e não só dar notícias”, entende.
Apresentação
A professora e jornalista Maíra Ezequiel, diretora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (UFS), apresentou um vasto material destacando maneiras errôneas de comportamento da imprensa em relação às mulheres.
“Um conceito muito utilizado é de que agora tudo é misoginia, é patriarcado, é machismo, mas sempre foi. Agora é que a gente está falando sobre isso e está aqui no espaço da Assembleia Legislativa, para reivindicar o direito de ser respeitada”, diz.
Maíra Ezequiel destacou que desde o útero, até o enxoval muda, quanto a cor para a mulher e para o homem. “A pessoa antes mesmo de começar a formar a sua personalidade já está recebendo orientações como se portar, o que falar e o que não fazer. As mulheres estão muito tolhidas, desde a infância, de como não devem se comportar. A sociedade já enxerga a mulher como submissa ao homem e que não tem liberdade e nem autonomia sobre os corpos, as atitudes, escolhas e pensamentos. De todos os lados a mulher é pressionada a obedecer uma ordem social onde sua liberdade e autonomia são entendidos como uma ameaça. Vivemos uma sociedade onde o desprezo, a humilhação e a violência física e simbólica à mulheres têm respaldo social, mais do que isso, são atitudes naturalizadas. As piadas, os modos como os maridos tratam viram comuns”, afirma.
Exemplos
Maíra Ezequiel citou exemplos comuns de divulgação de notícias. “Tivemos uma manchete de uma mulher que abandonou os filhos, o lar e o marido. Ela é chamada logo de louca. Tivemos o caso da menina que foi estuprada por 30 homens e houve a tentativa de colocar a vítima como ré da própria violência, questionando o comportamento dela. A manchete era: com 11 anos, aquela vítima de estupro, ficou com um traficante, usou armas e bateu nos pais. Então com isso, pode estuprar? Mereceu? É como se estivesse a mídia estivesse se posicionando em relação a isso”, acredita.
Outros exemplos citados pela palestrante, foram quanto às campanhas publicitárias. “A Bic fez uma propaganda de uma caneta rosa para as mulheres. Realmente não sei como as mulheres escreveriam com uma caneta azul. A Scol fez uma propaganda com a frase: tenho medo de pedir uma rodada no bar e o garçom trazer a minha ex”, elenca a palestrante.
“Faço um apelo pela urgência de se repensar a representação da mulher no discurso midiático para a partir disso, a gente consiga uma reconfiguração das práticas sociais, uma discussão e elaboração de políticas públicas voltadas para a igualdade de gênero e o combate à violência, pedofilia, à cultura do estupro e a apropriação política e ideológica dos corpos femininos”, conclui.
OAB
A advogada Valdilene Oliveira Martins, vice-presidente da Comissão em Defesa dos Direitos da Mulher, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SE), Valdilene Oliveira Martins destacou que a audiência proposta pela Frente Parlamentar em Defesa da Mulher, da Assembleia Legislativa de Sergipe, é um marco em relação à imprensa sergipana.
“O intuito dessa audiência é fazer um alerta aos profissionais da Comunicação quanto à forma com que se abordam as notícias, as manchetes, as propagandas, quando o tema mulher está no contexto; os estereótipos trazidos que a mulher é sempre relegada ou ao reduto íntimo privado, ou é ligada à questão pejorativa sexual. A mídia é realmente o quarto poder e um instrumento de mudança de concepção social. E a gente precisa equiparar em busca da equidade de homens e mulheres em todos os lugares que a gente andar. Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações e a mulher não pode ser vista como um produto. A violência e discriminação contra a mulher estão tão naturalizada que muitas vezes nós mesmas não percebemos”, diz lembrando que a mulher é sempre vista como acessório ou extensão do patrimônio do homem.
“É essa visão que a mídia não pode perpetuar, pactuar e a sociedade não está tolerando mais. Esperamos contar com todos os profissionais de imprensa para que não continuem abrindo manchetes e nem fazendo propagandas que denigram as pessoas do sexo feminino”, completa.
Frente Municipal
Na oportunidade, a vereadora Emília Correa, anunciou a criação de uma Comissão em Defesa da Mulher. “Nós protocolamos na Câmara Municipal de Aracaju, um projeto de resolução para que seja criada uma Comissão Permanente de Defesa aos Interesses da Mulher e espero que todos os vereadores aprovem a criação dessa comissão para recebermos as mulheres que são vítimas de violência, que tenham problemas com algumas questões ligadas à saúde e à discriminação. Essa mudança depende de nós. Somos mães e avós e não podemos continuar construindo mulheres submissas e homens machistas; somos nós que colocamos diferenças e isso tem que mudar”, acredita.
O assessor de Comunicação da Polícia Rodoviária Federal (PRF/SE), Flávio Vasconcelos, falou sobre a importância da denúncia por meio do telefone de emergência. “Não fazemos apenas a fiscalização de trânsito, mas o combate à criminalidade de maneira geral. A exploração sexual de crianças e adolescentes acontece à margem das rodovias em municípios como Itabaiana, Estância e Lagarto. Onde há esse crime contra a criança e o adolescente, também há violência contra a mulher. Temos um mapeamento anual e comissões permanentes de direitos humanos em todas as regionais da PRF no pais e o que a gente precisa é da denúncia que deve ser feita pelo número de emergência, o 191, a ligação é gratuita e pode ser feita inclusive por telefone celular”, orienta Flávio Vasconcelos.
Encaminhamentos
Ao final da audiência pública, a deputada Goretti Reis destacou os encaminhamentos. “Já que os profissionais da imprensa não vieram em sua maioria, a proposta é de visitarmos todos os meios de Comunicação para divulgarmos o trabalho apresentado sobre Mídia e misoginia; encaminhamos também a criação de várias frentes parlamentares em defesa das mulheres em todos os municípios sergipanos e as discussões nas unidades de ensino, a exemplo da Faculdade de Negócios de Sergipe, cujo professor Eduardo Ubirajara já se disponibilizou, assim como a representante da Secretaria de Educação, Josevanda Franco”, explica.
Participaram também do evento, a superintendente Executiva da Secretaria de Estado da Mulher, Inclusão e Assistência Social, do Trabalho e dos Direitos Humanos (Seidh), Roseli Andrade; os deputados Goretti Reis, Maria Mendonça, Silvia Fontes (PDT) e Georgeo Passos (PTC); os vereadores Kitty Lima, Emília Correia, Lucas Aribé e Thiaguinho Batalha; a presidente do Conselho Municipal em Defesa dos Direitos da Mulher, Adélia Pessoa, o jornalista Paulo Victor, representando a Secretaria Municipal de Assistência Social, representantes da OAB, de Coletivos de Mulheres por meio de Letícia Rocha, do Conselho Regional de Enfermagem (Coren), da Polícia Militar de Sergipe, a professora Juliana Almeida, da Universidade Tiradentes (Unit), representante do Ministério Público Estadual e o professor Eduardo Ubirajara, da Fanese, estudantes e a sociedade de um modo geral.
Por Agência de Notícias Alese
Fotos: Jadilson Simões